terça-feira, 10 de abril de 2012

Ana



Como alguém pode estar em contato com a morte e permanecer o mesmo? Ela era apenas uma criança, com todas as características infantis próprias de sua idade. Magra, pequena e esperta. Chamava-se Ana. Tinha apenas sete anos. Querida e amada por todos, seus dois irmãos mais novos passavam despercebidos. Com seu andar matreiro, ia caminhando vagarosamente, para em seguida sentar-se no chão, debaixo de uma árvore que ficava à beira do caminho. Em atitude meditativa, observava as idas e vindas de formigas carregadas de mantimentos para alimentar o formigueiro. E sonhava: ela era a rainha das formigas e tudo estava sob seu comando. Através das formigas celebrava a vida.

Ninguém podia molestar as formigas que tinham no formigueiro o seu castelo, defendido por elas através da imaginação de Ana. Mas choveu forte no inverno daquele ano e o formigueiro, tragado pelas chuvas, finou-se. Ana chorou muito e uma grande tristeza introduziu-se na sua vida. Ficava horas a fio, com o olhar perdido, olhando não se sabe para onde. Sua irmã de quatro anos não entendia porque ela não queria mais brincar. Os dias vivenciam o curso do tempo. E...

A relva úmida da estrada de barro provocava frio e dificultava uma caminhada mais rápida. O caminho de repente se bifurca e impede que os caminhantes selecionem o próximo itinerário. Enfim, decidiram-se pelo lado direito. Uma menina de treze anos e sua irmã caçula de quatro anos buscam, no caminho úmido, indício de flores silvestres para celebrar a morte de Ana que, no alvorecer de seus sete anos fechou os olhos para a vida, abrindo-os no plano da eternidade. Tentar explicar a morte para uma criança é uma tarefa difícil:

- O que é morrer?
- É ir para o céu.
- E como se chega lá, é longe?
- Deixe de fazer perguntas.
- Mas eu quero saber.
- Não quer não.
- Diga se... Ana vai cheirar as rosas?
- Não pergunte mais nada, eu não sei dizer o que você quer saber.
- Ana vai se encontrar com as formigas?

No mistério da morte se abrem muitas perspectivas.
Mas a morte de uma criança, provocada por um acidente inesperado, modificou a vida de toda a família. Como explicar à irmã menor a ausência de Ana e como amenizar o infortúnio dos adultos, principalmente do pai que, chegando de uma viagem se deparou com todo aquele sofrimento, cuja testemunha, um vestido empapado de sangue, registrava o triste acontecimento, e uma viga, entre os escombros, era a representação da morte.

A família teria que se desterritorializar. Aquele espaço, minado pela tristeza, fazia que a dor se aninhasse em todos os corações. A mudança urgente representava uma fuga no espaço e no tempo. Ir para mais longe, afastar-se do lugar que atuou como uma maldição na mente de todos, era um meio de preparar a ponte entre tempo passado e o tempo que despontava pesado de lembranças, em que o transcurso dos dias traria o esquecimento. Mas não foi isto que aconteceu. Pela vida afora, aquela garotinha que tinha quatro anos quando Ana morreu, sempre ouvia de suas irmãs mais velhas:

- Você é má, não merece estar viva. Por que não se foi, em vez de Ana? E assim a morte cumpriu uma dupla função: intensificar as lembranças de Ana e diminuir a vida no círculo da existência daquela garotinha, agora adulta sem esperança, que desejava, na vida, contemplar um formigueiro, para dar sentido a sua existência.

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