Como
alguém pode estar em contato com a morte e permanecer o mesmo? Ela era apenas
uma criança, com todas as características infantis próprias de sua idade.
Magra, pequena e esperta. Chamava-se Ana. Tinha apenas sete anos. Querida e amada
por todos, seus dois irmãos mais novos passavam despercebidos. Com seu andar
matreiro, ia caminhando vagarosamente, para em seguida sentar-se no chão,
debaixo de uma árvore que ficava à beira do caminho. Em atitude meditativa,
observava as idas e vindas de formigas carregadas de mantimentos para alimentar
o formigueiro. E sonhava: ela era a rainha das formigas e tudo estava sob seu
comando. Através das formigas celebrava a vida.
Ninguém
podia molestar as formigas que tinham no formigueiro o seu castelo, defendido
por elas através da imaginação de Ana. Mas choveu forte no inverno daquele ano
e o formigueiro, tragado pelas chuvas, finou-se. Ana chorou muito e uma grande
tristeza introduziu-se na sua vida. Ficava horas a fio, com o olhar perdido,
olhando não se sabe para onde. Sua irmã de quatro anos não entendia porque ela
não queria mais brincar. Os dias vivenciam o curso do tempo. E...
A
relva úmida da estrada de barro provocava frio e dificultava uma caminhada mais
rápida. O caminho de repente se bifurca e impede que os caminhantes selecionem
o próximo itinerário. Enfim, decidiram-se pelo lado direito. Uma menina de
treze anos e sua irmã caçula de quatro anos buscam, no caminho úmido, indício
de flores silvestres para celebrar a morte de Ana que, no alvorecer de seus
sete anos fechou os olhos para a vida, abrindo-os no plano da eternidade.
Tentar explicar a morte para uma criança é uma tarefa difícil:
- O
que é morrer?
- É
ir para o céu.
- E
como se chega lá, é longe?
-
Deixe de fazer perguntas.
-
Mas eu quero saber.
-
Não quer não.
-
Diga se... Ana vai cheirar as rosas?
-
Não pergunte mais nada, eu não sei dizer o que você quer saber.
-
Ana vai se encontrar com as formigas?
No
mistério da morte se abrem muitas perspectivas.
Mas
a morte de uma criança, provocada por um acidente inesperado, modificou a vida
de toda a família. Como explicar à irmã menor a ausência de Ana e como amenizar
o infortúnio dos adultos, principalmente do pai que, chegando de uma viagem se
deparou com todo aquele sofrimento, cuja testemunha, um vestido empapado de
sangue, registrava o triste acontecimento, e uma viga, entre os escombros, era
a representação da morte.
A
família teria que se desterritorializar. Aquele espaço, minado pela tristeza,
fazia que a dor se aninhasse em todos os corações. A mudança urgente
representava uma fuga no espaço e no tempo. Ir para mais longe, afastar-se do
lugar que atuou como uma maldição na mente de todos, era um meio de preparar a
ponte entre tempo passado e o tempo que despontava pesado de lembranças, em que
o transcurso dos dias traria o esquecimento. Mas não foi isto que aconteceu.
Pela vida afora, aquela garotinha que tinha quatro anos quando Ana morreu,
sempre ouvia de suas irmãs mais velhas:
-
Você é má, não merece estar viva. Por que não se foi, em vez de Ana? E assim a
morte cumpriu uma dupla função: intensificar as lembranças de Ana e diminuir a
vida no círculo da existência daquela garotinha, agora adulta sem esperança,
que desejava, na vida, contemplar um formigueiro, para dar sentido a sua
existência.
Adorei!
ResponderExcluirLindo conto... quem morre é sempre o bom da história...
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