Dificilmente
se poderia esquecer de uma menina como aquela. Vamos chamá-la de Marie. Durante
muito tempo era a única menina da casa e competia nas brincadeiras com quatro
irmãos. Era o xodó do pai, que não permitia que lhe furassem as orelhas e nem fizesse
canudo nos seus cabelos, para que ela não sofresse. E a menina ia crescendo em
estripulias e em bondade. Nas brincadeiras de que participava era a única
pessoa que dava atenção a um menino de quem ninguém queria se aproximar. A mãe do
menino era tão grata a ela que costumava dizer: “vocês quando crescerem vão-se
casar”.
A
mãe de Marie trabalhava fora e aproveitava os finais de semana para visitar as
bancas de revista para tentar resgatar os livros que ela vendia para comprar
revistas em quadrinhos, sua leitura preferida.
Certa
vez a mãe de Marie, em pleno centro da cidade, vislumbrou um saco andando
sozinho. Apressando o passo, viu que era Marie que conduzia um enorme fardo,
seguida de um velhinho. Ela atravessou toda a cidade para deixar aquele senhor
no mercado público. Segundo ela, ele já estava muito velho para conduzir tão grande
peso. O povo da cidade comentou aquele fato durante muito tempo. Uns riam pelo
inusitado da situação e outros diziam: “não deve ser fácil ser mãe de Marie”.
Aos
onze anos foi expulsa do colégio onde estudava por ter tratado mal uma freira,
o que segundo ela, entre dizer uma mentira ou optar pela verdade, preferiu a
segunda. A mãe de Marie chamou a sua atenção, dizendo-lhe que ela devia ter
sido educada, mas no íntimo de seu coração sentiu orgulho dela.
Seus
irmãos a adoravam, assim como suas tias. Agora ela tinha uma irmã do coração,
uma criança que foi adotada para neutralizar a exuberância de Marie. Chamava-se
Gina e como os outros passou a idolatrar a irmã.
Precoce
em tudo, foi mãe aos quinze anos. Houve muita dor e tristeza na família, o que
foi superado quando nasceu um lindo menino que se chamou Antônio, em homenagem
ao nome dos avôs. Esta história, quando me foi contada, me fez pensar: Que
mulher não se sentiria realizada por ser mãe de alguém assim? Tive a
oportunidade de conhecê-la e ela, já miticizada, é alguém muito especial. Aos dezenove
anos separou-se do marido, mesmo amando-o, pois exigia mais respeito de um
homem que, sendo mulherengo, não poderia mais privar de sua intimidade.
E
assim a menina torna-se mulher. Estudiosa, inteligente e responsável, atua de
modo exemplar no trabalho. Leal com os amigos, é gentil e sedutora. Mas dizem
que é intransigente com aqueles de quem não gosta.
Gostaria
de me aproximar dela de modo adequado, para conhecê-la melhor. Ela, como as
pessoas de espírito bem trabalhado, deve ser circunspecta com as pessoas que não
lidam com sua intimidade. Imagino que não terei chance de uma aproximação mais
estreita. E se tivesse, então eu diria a ela:
Conheci
toda a sua família. Tenho conhecimento de fatos que talvez até você desconheça.
Também tenho uma filha que dificilmente você superaria em bondade,
generosidade, enfim, uma filha que seria como você, orgulho de qualquer mãe. Mas
agora que estou pensando no assunto, chego à conclusão de que fui uma mãe omissa,
pois nunca lhe disse como ela é importante para mim. Eis por que a sua
história, a história de Marie, me chamou a atenção. Que ela continue sendo tão autêntica,
como tem sido até hoje é o que desejo. Quanto a minha filha, tão amada e tão querida,
quero apresentar dois comentários que tenho certeza a farão pensar:
O
tempo, em nossa vida, atua como mentor. Qual o tratamento que você dá ao tempo
e como o aproveita?
Num
segundo momento, filha minha, quando você estava esperando seu filho, eu lhe dediquei
um poema que terminava assim e serve para reflexão:
E
alegria de tê-la
Se
enaltece
Na
certeza de vê-la
Tão
menina
Já
mulher.